Diz que o vô

Diz que o vô

Diz que o vô era pirsiguido pelos disco vuador. Naquele tempo a vó tinha a mãe e mais seis fi. A primeira rez, ele tinha ido roubá batata doce num terreno do vizinho distante, pur causa que era tempo de necissidade. Era de noite quando ele voltarra pêros caminho do Xixá, das croa, empurrano a bicicreta no alto, onde tinha um bando de plantação de coquêro. Eu imagino desde minina que meu vô era um homi calado e tranquilo, como meu ti Raimundin. Ele cumpartilharra tudo cum minha vó, mas num era muito de falar. O que ele viu foi só uma luz que quais segava e pirsiguia como um calango sego, que só sintia o chêro. Ele se iscondeu dibaixo dos coquêro dipois d'umas léguas e uns minutos com a cabeça torrada da luz. Ele disse que a luz que pirsiguiu ele torrou a cebro dele e ele nunca mar cunseguiu sê o mermo. A vó mandô ele se deitá. Ele foi. Isso se ripitiu pur mar três vez. A tercêra rez, ele rá tava demente. Diz que foi pur causa de uma picada de cobra, mar quando eu era minina minha vó falô que era pur causa do disco vuador que tinha torrado a cabeça dele. No primêro ataque, ele tarra sentado numa cadêra de balanço, aí a vó falô que ele disse, Raimunda, corre aqui. Que é Raimundo? Raimunda, eu tô todo dirmembrado. Minha perna tá prum lado, meur braço tá pru ôtro. Raimundo, dêxa disso, tu tá normal. Levanta e vamo durmir. Como é que vou me alevantá se minha perna num tá no meu corpo, Raimunda? A vó uma vez, dipois dele tê murrido, me falou que acharra que o que ele tinha era ansiedade, que ela tinha risto na norrela. Ela disse que dipois disso aconteceu de novo, dipois dele tê sido pirsiguido a segunda rez pelo disco vuador. Que ele rá tarra bem, aí acunteceu de novo. Ele ficarra calado, pensano muito, como se tinresse em ôtro mundo e quando chegarra em casa só abria a boca pra falá que tarra dirmembrado. Ela ficarra c'um medo seco. Diz que ar pessoa falarra com ele e ele dizia só am? e voltarra pr'outo mundo. Foi aí que ele cumeçou a caducar. Como se ele num existisse mair, só o corpo dele. Uma rez a vó falô que acha que ele ficô assim pur causa da picada d'uma cobra quando ele era mar jóvin e que o veneno nunca saiu do corpo dele, que foi o médico que falou. Ôtra rez, passano na tevelisão um véi c'uma doença que fazia esquecê, ela disse, du nada, acho que teu avô tinha isso aí, essa doença aí, purque ele ficarra do mermo jeito. Eu só escutarra. Um dia, meu ti Raimundin vinha do campo de jogar, de bicicreta, e disse tê sido pirsiguido pur'um disco vuador, mar'outra pessoa que vinha logo atrás diz que a única luz que tinha era da lua, que ele tinha cunfundido a lua c'um disco vuador, que era lua chêa. Ele dirria tá bêbu. Fiquei cum medo dele ficá como o vó, mar não ficô. Meu vô morreu sem sabê nem o nome dele. Eu gostarra do papeiro que sobrarra do mingau que a vó fazia pra ele, mar'eu tinha medo, purque as vez ele se estressarra e discontarra na primêra cousa que aparecia na frente dele. Quem gostarra dele era um quenquém que tinha de estimação dos fi da vó, que vivia perto do trarrissêro dele e as rez durmia lá. Um dia ele sumiu. Só apariceu semana dipois de tá fedeno. A tia viu que o chêro vinha dibaixo de trarrissêro. Acho que o vô quis protegê ele e guardô ele dibaixo do trarrissêro. Todo mundo de casa chorô. Quando o vô morreu, não sinti nada. Imaginei que a vó agora pudia siguí a vida dela, cuidá dela e das plantinha. Minha vó rezô um terço pra pudê fechá o z'olho dele, que rá tarra duro e só fecharra cum reza, foi quano ele se foi. De rez em quando rô na minha vó iscutá o que ela acha que aconticeu cum o vô. Ispero que ele teja em ôtro mundo mar abundante, abduzido pelos extra terrestre, e um dia renha me pegar. Deve sê milhor do que aqui, purque ele nunca mar voltô. 

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