Sensações

 

 

Sensações               O rodopio da pequena Bailarina... Foto de Adelia | Olhares ...

Desde criança, costumava apreciar sensações que me tirassem do meu estado comum. Lembro-me que no inverno, nos momentos chuvosos, aquelas chuvas claras de relâmpagos, obscuras de trovões e água gelada, eu corria as estradas me banhando nas lamas e nas grotas que se formavam, enquanto o vento quase me levava e o barulho fazia-me disparar e meu riso saltar da garganta, como quem iria morrer a qualquer momento e esse momento nunca chegaria, mas só aquela sensação me deixava louca de emoções. Então eu corria e corria passando pelas comunidades até chegar na ponte do rio, onde eu descia e mergulhava na água que disparava emoções térmicas em todo o meu corpo, de baixo pra cima quentinho e de cima pra baixa gelado. Depois a chuva acabava e o sol nascia e o cansaço dominava-me. Essas foram as primeiras sensações que me atraíram magneticamente.

Lembro-me de uma situação um tanto inocente ao meu ver, mas curiosa se pararmos para pensar. Essas sensações nos proporcionam sair da normalidade, como rodar até se embebedar e tudo em sua mente rodar e rodar como em parque de diversão. Eu já sabia o que causava ao rodar o vestido rodado feito por minha avó, ao parar e o mundo continuar. Só que aquele dia eu queria ir ao limite. Se ao rodar por pouco tempo, minha mente bugava, então rodar por muito tempo, a sensação duraria o dobro, talvez mais. Foi aí que rodei e rodei olhando pro chão e para o meu vestido rodado amarelo. Eu me sentia nas nuvens! Era um terreiro grande e cheio de árvores verdes que faziam sombras maravilhosas e havia um alpendre cheio de pessoas conversando. Tias e vizinhos, primos e amiguinhos. O chão era seco e árido, cheio de pedrinhas avermelhadas e amarelas e pontudinhas, apesar de pequenas, e eu nem conseguia acompanhar ao redor e as vozes que se direcionavam a mim nem existiam naquele momento. Tudo se borrando como as misturas de tintas coloridas da escola nas mãos. Eu não pensava em mais nada. Eu estava livre. Então sem entender, não consegui parar em pé e cai feito um cadáver e o ceu azul não parava de rodar, com aquele branco pintado no azul cruel. Então eu conseguia ouvir e sentir. Ouvia as risadas e as exclamações de vai de novo, danadinha. E senti a ardência em todo o braço e ombros vermelhos de sangue presenteado pelas pedrinhas como uma tatuagem massacrada em desespero. Não senti vontade de vomitar, porque minha maior vontade era de sumir. No mesmo momento, talvez por ter batido a cabeça, percebi o quão absurdo tinha sido minha atitude de rodar daquela forma, sem limite, e cair tão violentamente. Que burra havia sido! Prometi no mesmo momento que nunca mais iria rodar na minha vida. E eu não conseguia entender minha própria atitude, eu só queria sentir a sensação e isso me humilhou. Nunca mais brinquei de rodar.

Depois, entrando na adolescência, meu primo me apresentou em uma brincadeira o cigarro Black . Minha mãe era fumante e aquilo não era novidade, mas meu primo começou a falar de sensações de tonturas e relaxamentos e me deixei seduzir pela senhora sensação. Eu queria sentir aquilo e foi quando aprendi a tragar. Meu corpo entrou em extasie e me senti leve e tonta. Foi incrível. Foi a segunda melhor sensação, depois de rodar e pagar por aquilo. É claro que também houveram consequências, como a dor de leve na cabeça e um pouco de enjou. Só que nada forte o suficiente pra suprir a tão incrível sensação.

O álcool eu já havia experimentado, mas a sensação não era tão agradável e era necessária beber muito gosto desagradável para alcançar um limite razoável, e não me sentia nas nuvens. Mas quando o cigarro surgiu em minha mente e vi que juntar os dois me empolgava, juntei o útil ao agradável. Álcool e cigarro, dois amantes complementares.

Só fumava quando bebia, mas logo comecei a beber pra fumar. Na vida adulta eu já era uma fumante auto reconhecida.

Bom, depois entrou por entre meus lábios a fumaça mais gostosa e aliviante que já experimentei. A maconha me causava um estado perfeito, que fazia-me sentir-se eu mesma. A calmaria, a mente em si totalmente compreensiva a qualquer caos. A vida mais leve e as risadas os amigos e a nova amante do cigarro. Foi amor a primeira vista. Conheci vidas e sentimentos através dela sem sair de mim e sim entrando em meu estado sensacional.

Três anos depois de assumida em minha bolha como maconheira referenciada, cheirei o pó da alegria e o loló do carnaval adrenalógico, duas sensações que me colocaram em um estado estranho mais não menos incrível. O primeiro me tornava uma filósofa positivista que amava a todos, mas me condicionava nitidamente a querer ficar mais feliz e eu não consegui ficar plenamente satisfeita, por mais que já estivesse. Eu tinha a sensação de que arriscaria meu rolê pra conseguir os privilégios de está viva com o pó da vida e no outro dia é como se eu tivesse caído de tanto rodar e sentir-me humilhada novamente. O segundo o carnaval já explica, é como amor de carnaval.  Depois me adociquei em cores e vive sensações que já vivo desde a infância. Hoje sou a maior viciada em cigarro e masturbação. Mas até quando fumo mais de 5 cigarros por dia lembro-me daquela queda ao redor, ao rodar, ao cair e explodir em desencanto. Toda vez que experimento uma sensação escuto as gargalhadas de minha burrice  e me lembro que minha mente é possuída e não vazia e esvaziá-la de vez em quando é permitido. Hoje o que experimento só me faz cair se eu quiser cair e o chão que escolho rodar é fofinho e sem pedrinhas pontudas avermelhadas e amareladas. E as pessoa que vão me ver rodar, procuro garantir não rirem de mim ao me levantarem.

De todas as ilícitas rodadas, a maconha me cativou e eu a cativei, como minha rosa do pequeno príncipe, porque ela nunca me derrubou e me deixou ver o céu azul pintado de branco sem me fazer querer provocar. Me deu uma sombra com um livro e o barulho do rio, caindo e caindo quentinho, sem a adrenalina da chuva e com a sensação de estar embaixo dela e controlá-la sorrindo. Me sinto como no conforto das sensações de infância. Sem traumas apenas no sentindo.

Por: Amanda

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